Em meados da década de 1980, recém ingressando no Direito Ambiental, eu ouvia extasiada as histórias das lutas pela reintegração de posse de terras públicas invadidas por grileiros no Litoral paranaense. Histórias que iam muito além dos frios textos judiciais, contadas por profissionais dedicados, falando de empresas degradadoras do ambiente social e natural, de jagunços, da morte de fiscais ambientais e dos prejuízos causados aos pequenos posseiros duplamente impactados. Nunca mais parei de estudar e, sempre que pude, trabalhei na defesa do Complexo Estuarino Lagunar de Iguape – Cananéia – Guaraqueçaba – Paranaguá. Em 1986, tombamos a Serra do Mar no Paraná (em São Paulo, foi em 1985), Serra que desce abrupta, coberta da Mata Atlântica protetora dos rios que, ao chegar à Planície Litorânea, escorregam em meandros, abrindo-se nos leques estuarinos. A interação das águas doces e salgadas ao sabor das marés, laboratório químico de nutrientes, forma a rica lama negra dos mangues. O cordão de ilhas forma escudos para as águas férteis das lagunas, berçários onde extensa cadeia alimentar se inicia em seres aquáticos microscópicos que se complexificam cada vez mais e chegam até o ser humano, sob a forma de alimento e vida. Uma das cinco regiões mais notáveis dos ecossistemas costeiros do mundo, terceiro maior criadouro de espécies marinhas, único do litoral brasileiro ainda não poluído, sua preservação é vital, até porque nela se reproduzem os cardumes oceânicos. Essas dinâmicas, de grande complexidade ecológica, formam ambientes únicos que possibilitam a permanente renovação da vida. A diversidade cultural, étnica, histórica, arqueológica e antropológica da região do Lagamar é marcada pela diversidade ecológica: sambaquis, trechos do Caminho do Peabiru, aldeias indígenas e quilombos, igrejas, casarões históricos e vilas típicas e, sobretudo, o caiçara, morador típico, detentor de conhecimentos ancestrais. No entanto, embora rica ambientalmente, a região tem baixo IDH. Romper os ciclos da pobreza e da baixa qualidade de vida sem comprometer o equilíbrio ecológico tem sido um desafio permanente. O Lagamar é um repositório de alternativas para a produção de riquezas econômicas que, através do uso racional dos recursos ambientais disponíveis, geram emprego, renda e aumento da arrecadação. O pagamento pelos serviços ambientais prestados (não são poucos!), o ICMS Ecológico, a retribuição financeira aos proprietários pela preservação, o apoio às atividades econômicas de baixo impacto, o turismo comunitário, as soluções inovadoras da Produção de Natureza na geração de bens e serviços de qualidade, com alto valor agregado (a exemplo da Grande Reserva Mata Atlântica), servem como motores de crescimento econômico e social e para a distribuição equitativa das riquezas produzidas. O Mosaico de Biodiversidade do Lagamar é formado por mais de 50 Unidades de Conservação federais, estaduais, municipais e privadas. É reconhecido pela UNESCO como Reserva da Biosfera. Sua proteção tem importância planetária. O Lagamar é um gigantesco caleidoscópio de diversidades interativas múltiplas, em constante transformação, combinação dinâmica de elementos físicos, químicos, biológicos e humanos que permitem sonhar na possibilidade de manter o ambiente preservado e as populações em condições de vida dignas, compondo uma só paisagem, um sistema único e indissociável. Sempre acreditei nesse sonho e vou continuar dedicando minha vida a ele. É um sagrado ofício que vale a pena ser exercido.